Biodigestores ao redor do mundo
Este post tem como objetivo dar uma volta ao redor do mundo e destacar em cada um dos cinco continentes, projetos de biodigestores e de utilização de biogás mais interessantes, visando evidenciar os avanços que esta tecnologia obteve nas últimas décadas e como o biogás tem sido considerado com relevância nas matrizes energéticas fora do Brasil.
Entre os cases que serão apresentados destaca-se o tratamento de efluentes com geração de biogás e utilização do mesmo na rede de gás natural em Santiago no Chile, na América do Sul, minimizando a dependência do gás natural Argentino, a utilização de biogás para uma rede de taxis na China, na Ásia, melhorando a rentabilidade do negócio e a instalação de biodigestores modulares para o tratamento de dejetos residenciais no Quênia, na África, viabilizando o saneamento básico e gerando economia para as famílias daquele país.
EUROPA
ALEMANHA
Andando ao redor do mundo, primeira parada, Europa! Aqui uns dos projetos mais interessantes esta localizado no estado da Saxônia-Anhalt, região leste da Alemanha, a usina de biogás Könnern representa um marco na iniciativa europeia pela busca da diversificação da matriz energética no continente. Fruto de um investimento de 30 milhões de Euros, a usina destaca-se por ser a primeira do gênero com tecnologia para distribuir biometano, que é o biogás livre de impurezas, em regiões distantes de onde é produzido.
Em operação desde 2009, a usina de Könnern fornece 15 milhões de metros cúbicos (m³) de biometano por ano à rede nacional de gás da Alemanha, sendo então redistribuído para residências e indústrias do país. Seu principal emprego é na conversão do biometano em energia elétrica, através do uso de geradores, utilizada em sistemas industriais e residenciais. Em especial nas casas a energia elétrica gerada é direcionada para o sistema de calefação. Sem Könnern, seria necessária a construção de uma usina com potência de 17 MW para atender a esta demanda.
A geração de biogás se dá através de rejeitos do setor agrícola e criação de animais, como dejetos bovinos, suínos, bagaço de cana de açúcar e milho. A usina tem parceria com 30 agricultores e pecuaristas locais, que fornecem 120 mil toneladas de rejeitos por ano. Para cada tonelada de rejeito, 125 m³ de biogás são gerados. Estes rejeitos são condicionados em 16 grandes biodigestores, com 6 m de largura por 25 m de diâmetro cada, onde o biogás é gerado. Em seguida, 12 purificadores removem impurezas (como o ácido sulfídrico, H2S, que é corrosivo) com o auxílio de bactérias transformando-os em biometano e enviado a rede. Apesar das grandes dimensões, o nível de automatização é tamanho que somente 12 funcionários são necessários para operar toda a usina.
A Alemanha é reconhecidamente uma das potências mundiais na produção de energia a partir do biogás gerado por biodigestores. Atualmente, existem cerca de 3,7 mil usinas de biogás em operação, que já permitiram o desligamento de três reatores nucleares no país. Até o ano de 2022, a meta alemã é desativar todas as suas usinas nucleares, que atualmente correspondem a uma potência instalada de 20 mil MW, substituindo-as por fontes renováveis e mais seguras, sendo uma delas o biogás.
Fonte:
https://infinitybiopower.com/biogas/projects1/projects/
https://jagadees.wordpress.com/2008/09/27/biogas-plant-at-konnern/
AMÉRICA DO SUL
CHILE
A segunda parada do “biodigestores ao redor do mundo” é a América do Sul. Aqui uns dos projetos mais interessantes observados está instalado em Santiago, capital do Chile. Lá a empresa La Farfana, a maior estação privada de tratamento de efluentes do Chile, responsável por tratar 60% do esgoto gerado em Santiago ou o equivalente a 778 mil m³/dia gera em torno de 60 mil m³ de biogás por dia. No início o biogás costumava ser utilizado como fonte de calor no aquecimento de caldeiras de água, que serviam ao abastecimento de processos da própria ETE. Porém, a forte dependência do gás natural importado da Argentina, com abastecimento incerto e preços elevados motivou a construção de uma central para captação e purificação do biogás da estação, com o objetivo de transformá-lo em gás natural e comercializá-lo. O gás natural possui 70% teor de metano, enquanto que no biogás este teor é de aproximadamente 55%; portanto, para converter o biogás em gás natural é necessário remover suas impurezas, “liberando espaço” para novas moléculas de metano.
Em operação desde outubro de 2008, o projeto custou cerca de U$ 5 milhões, totalmente custeados pela própria empresa. Logo após ser gerado, o biogás é conduzido até a central de purificação, onde o H2S é removido por um processo biológico com o uso da bactéria Thiobacillus. Em seguida, é e conduzido por um gasoduto subterrâneo de 14 km até a fábrica de gases, de responsabilidade da La Farfana. Lá, outras impurezas (como COV’s e Siloxanos) são removidas através de um processo de “polimento” do biogás, que então é transformado em gás natural suficiente para atender consumo de 10% dos clientes industriais e domésticos da companhia.
Em março de 2012, a empresa passou a liquefazer o gás natural e transportá-lo em caminhões tanque até áreas remotas, não atendidas pela rede de gás da cidade. Atualmente, há planos para ampliar a aplicabilidade do gás natural, estendendo-o para veículos. Segundo estimativas, o gás gerado por La Farfana seria capaz de abastecer 2.700 veículos, o que representa cerca de 80% da frota de automóveis movidos por GNV em Santiago.
Fonte:
ORIENTE MÉDIO
ISRAEL
Outro projeto de destaque esta localizado no Oriente Médio, terceira parada da nossa viagem dos biodigestores ao redor mundo. Na região leste de Israel. Inaugurada em 2012, a usina de biogás Be’er Tuviya é resultado de um investimento de U$ 2,6 milhões, visando a geração de eletricidade a partir de dejetos bovinos e de aves. A região da usina, composta majoritariamente por sítios e fazendas de pequeno porte, sofreu durante muitos anos com a destinação incorreta de dejetos animais e rejeitos de agricultura, que eram comumente despejados em rios ou mesmo amontoados, gerando poluição, mau odor e doenças. Logo, sua implantação trouxe não só energia, mas também melhora nas condições socioambientais da população.
Apesar de já haver duas usinas similares no país, Be’er Tuviya é a mais nova e maior usina de biogás de Israel, com capacidade de 4 MW, o suficiente para abastecer com energia elétrica 6.000 residências. Os dejetos animais são coletados em fazendas d da região e transportados em contêineres até a usina, onde sofrem processo de pasteurização e ficam armazenados em tanques de concreto hermeticamente vedados, onde ocorre a biodigestão e geração de biogás. Ao final do processo ainda há produção de biofertilizante, que retorna aos fornecedores de dejetos como compensação pela parceria. Este biofertilizante é aplicado na agricultura, sendo mais econômico e menos poluente que os fertilizantes industriais.
Atualmente, são utilizados dejetos de 14.000 vacas, além de aproximadamente 15% dos dejetos de todas as fazendas de frango de laticínios de Israel.
Fonte:
OCEANIA
AUSTRÁLIA
Continuando com a busca de grandes case de biodigestores ao redor do mundo, chegamos na Oceania. Neste continente o projeto de destaque também utiliza efluentes para a produção de biogás, no entanto, diferente da usina La Farfana, no Chile, o biogás é utilizado para a geração simples de energia para a rede. A estação de tratamento de efluentes Tatura, localizada a 200 km ao norte de Melbourne, Austrália, implantou no ano de 2007 um sistema de captação e tratamento do biogás gerado pelo sistema de tratamento de alto desempenho da ETE. Esta medida possibilitou a geração de energia elétrica para a cidade, com produção de 5.000 MWh por ano. Antes da implantação, o biogás era simplesmente dissipado para a atmosfera. Estudos apontam que esta medida reduziu a emissão de 14.500 toneladas de gases de efeito estufa, o que equivale a retirar 3.400 carros das ruas.
O projeto foi concebido através de uma parceria entre governo e iniciativa privada, sendo U$ 800 mil financiados por dinheiro público e uma quantia não divulgada pela empresa controladora da ETE Tatura. Com potência de 1,1 MW, a usina funciona com a geração de biogás a partir do esgoto, que surge como “subproduto” da degradação da matéria orgânica por mecanismos biológicos. O efluente chega à estação em estado bruto, onde é distribuído uniformemente através de uma série de canais pulverizadores. Durante este período o biogás é gerado e capturado sendo então canalizado, purificado com compostos ferrosos e encaminhado para o gerador de eletricidade.
A energia elétrica gerada pela usina de Tatura é conectada a rede elétrica local, onde foi instalado um sistema de sensores que permite ao consumidor final rastrear o percentual do seu consumo mensal veio de fontes ambientalmente corretas, como o biogás. Muito interessante, não acham?
Fonte:
https://www.cleanenergycouncil.org.au/resourcecentre/casestudies/Bioenergy/Tatura.html
ÁFRICA
QUÊNIA
Na África, um dos grandes problemas que assolam o continente é a falta de saneamento básico. Em Kimera, no Quênia, nossa saga por encontrar grandes cases de biodigestores ao redor do mundo chegou a maior favela da África, simplesmente não há sistema de coleta e tratamento de efluentes. A prática mais difundida entre a população sempre foi colocar seus dejetos em sacos plásticos, apelidados “toaletes voadores”, e jogá-los em estradas, becos e sarjetas. Esta triste realidade vem mudando com a iniciativa de uma ONG local que, em parceria com a ONU, está construindo pequenos prédios com instalações sanitárias em Kimera, onde é feita a coleta dos dejetos humanos e produção de biogás, utilizado no preparo de alimentos. Para vencer a desconfiança da população, a ONU tem convidado personalidades mundiais para conhecer o projeto, como a modelo brasileira Gisele Bündchen, que em 2010 visitou 3 dos 52 centros de biogás em Kimera, e até cozinhou em um fogão à biogás.
Além de conter a insalubridade dos ambientes públicos, os sanitários têm colaborado para difundir os conhecimentos sobre a geração do biogás. Em cada centro, há uma área destinada a educar a população e esclarecer dúvidas sobre o funcionamento do sistema. Tendo acesso a informação, cada vez mais moradores têm entendido como o biogás é uma fonte limpa e segura de energia, que em nada tem a ver com o a repulsa e a insalubridade dos dejetos que o geram. Canalizado até fogões, o biogás tem substituído o uso da lenha no preparo de alimentos para crianças de escolas próximas.
O sucesso do projeto tem chamado atenção de autoridades de diversos outros países africanos. A previsão da ONU é o projeto expanda-se para mais de 10 países até 2020.
Fonte:
https://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=40939#.UY0g5KKyBrU
AMÉRICA CENTRAL
COSTA RICA
Na América Central, o destaque fica por conta da empresa Chiquita Brands Inc., uma das maiores empresas do mundo no ramo de processamento de frutas, com 21.000 funcionários e presente em 80 países. Em 2011 a Chiquita Brands Inc. instalou uma unidade de geração de energia a biogás em sua unidade de Guapiles, na Costa Rica. O destaque especial é que o sistema usa os restos de frutas e água de lavagem da própria indústria, que são condicionados em biodigestores anaeróbios, onde ocorre a biodigestão. O biogás então é transformado em energia elétrica, que ajuda a reduzir os custos na produção, e o subproduto do processo, um rico fertilizante, é cedido a produtores da região. Perfeito, não?
O projeto, de custo não divulgado, foi concebido para utilizar a gravidade no transporte dos resíduos. Isto possibilitou que sua operação dispense o uso de energia elétrica. Os restos de bananas, abacaxis, mamões e mangas, bem como a água utilizada para fazer sua pré-lavagem, são direcionados da planta industrial até os biodigestores da usina através de tubulações específicas para esta finalidade, projetadas para facilitar a mistura dos resíduos, o que acelera a geração de biogás. Segundo a empresa, além de atender as exigências legais, o projeto reduziu significativamente o consumo diário de energia da unidade, além de gerar fertilizante utilizado nas plantações de bananas de cooperados da Chiquita Brands Inc.
Fonte:
ÁSIA
CHINA – CASE 1
Nesta volta ao redor do mundo dos biodigestores, um dos cases mais legais é observado na China. Em operação desde 2010, a usina Aning Starch CNG, localizada na cidade de Naning, na região sul da China, próximo a Hong Kong, produz biogás para 120 táxis da cidade, que foram adaptados gratuitamente para utilizar este combustível. O biogás é gerado a partir do efluente do processamento de amido e fécula da Aning Starch Co., que é tratado por processos anaeróbicos na ETE da indústria. Antes da implantação do projeto, o biogás era queimado e lançado na atmosfera. Além de contribuir para o meio ambiente, o projeto mostrou-se rentável: segundo dados da empresa, o lucro anual com a comercialização do biogás é de U$ 4 milhões.
Através de uma parceria de U$ 6 milhões entre a Aning Starch Co. e o governo chinês, o projeto auxiliou na redução de dois grande problemas que assolavam a região: os altos índices de poluição atmosférica e a eutrofização dos corpos de água próximos, já que o amido possui alto teor de matéria orgânica. Diariamente, 6.000 toneladas de efluente da produção de amido são tratados por quatro reatores anaeróbicos do tipo UASB. Durante este tratamento ocorre a produção de biogás, que é capturado na superfície dos reatores e encaminhado para uma central de purificação, onde impurezas e substâncias corrosivas são retiradas por processos químicos, transformando-o em biocombustível. A produção diária é de 30.0000 m³ de biogás, que após a purificação converte-se em 21.000 m³ de biocombustível. A água tratada durante o processo é utilizada para irrigação por produtores locais.
O transporte do biocombustível até os dois postos da cidade é feito por caminhões tanque, que o transportam liquefeito e sob alta pressão. Nos táxis, cada 1 m³ de bicombustível equivale a 1,2 L de gasolina, o que gera uma economia de U$ 3 centavos por quilômetro rodado, o equivalente a U$ 5.500 por ano, economia significativa.
CHINA – CASE 2
Na China a tecnologia do biogás esta tão avançada, que além do case da utilização de biogás em taxi foi observado outro projeto não diferente do primeiro, de grade destaque. Idealizada com um investimento de U$ 10 milhões do governo de Pequim, a usina Beijing Yanqing Deqingyuan Eco-Garden 2 é exemplo da magnitude que projetos de geração de energia por biodigestão podem alcançar. Construída na região com maior concentração de criadores de frangos da China, o distrito de Yanqing, a usina recebe diariamente 212 toneladas de dejetos de aves, e faz parte da iniciativa governamental local de controle da poluição e geração de energia por fontes limpas. Sozinha, a usina gera 14 milhões de kWh/ano, além de abastecer diversas famílias locais com biogás, que é usado no preparo de alimentos.
Através de uma rede integrada de coleta, criadores de frango de Yanqing fornecem diariamente os dejetos de suas aves à usina. Lá, o efluente é misturado com água (do próprio processo) em duas grandes lagoas de armazenamento, com capacidade para 90.000 m³. Devido às características dos dejetos dos frangos da região, o teor de sólidos ideal para produção de biogás é de apenas 10%. Em seguida, ele é encaminhado para quatro biodigestores anaeróbicos, cada um com 3.000 m³, operando a uma temperatura de 38 °C. O biogás gerado é purificado por duas torres de dessulfurização, com 60 e 120 m³, e então armazenado. A produção anual de biogás é de 7 milhões de m³.
A geração de energia é feita através de dois geradores de 1.064 kW cada, que além de energia elétrica geram calor, que é utilizado para manter aquecidos os biodigestores durante o inverno. A capacidade total de geração de é cerca de 10 milhões de kWh por ano. O excesso de biogás, que não pode ser utilizado para gerar energia é vendido para 300 residências da região, que o utilizam como gás de cozinha. Ao final do processo são gerados 180 mil toneladas de biofertilizante, que é aplicado em sítios produtores de ração animal da região. Este com certeza é um case interessantíssimo que observamos os biodigestores ao redor do mundo.
Fonte:
https://web.mit.edu/colab/pdf/papers/D_Lab_Waste_Biodigester_Case_Studies_Report.pdf
AMÉRICA DO NORTE
ESTADOS UNIDOS
Finalmente, o último case de destaque deste post esta localizado na América do Norte. Inaugurada no início de 2013, a usina de biodigestão de Sacramento, Califórnia, recebe diariamente 25 toneladas de restos de alimentos vindos de supermercados, restaurantes e indústrias, transformando-os em gás natural, eletricidade e fertilizante agrícola. Resultado de uma parceria entre empresas do setor energético e bancos, a usina é alto suficiente no consumo de energia elétrica, além de abastecer uma frota de caminhões das empresas parceiras com gás natural. Além do benefício ambiental, a usina de Sacramento gera anualmente U$ 1,1 milhão em arrecadação de impostos ao governo local.
Um destaque especial é que a usina de Sacramento utiliza o sistema de Biodigestão Anaeróbia de Alto Teor Sólido (sigla ADB, em inglês), que não necessita da adição de água para funcionar. A operação normal ocorre com matéria orgânica 50% (ou mais) seca. Segundo a empresa idealizadora do projeto, trata-se de uma tecnologia inédita no mundo, que permite reduzir o tamanho do biodigestor e o custo de operação, sem comprometer a eficiência da geração de biogás. Assim que chegam à usina, os restos alimentares são condicionados nos biodigestores sob condições físicas específicas, mantidas em sigilo pela detentora da tecnologia. O biogás é capturado por tubulações instaladas no topo dos biodigestores, onde uma bifurcação encaminha parte para purificação visando a geração de eletricidade por geradores, parte para conversão em gás natural. Estima-se que mais de 3,5 milhões de litros de diesel são substituídos anualmente por gás natural. Além disto, toda energia elétrica consumida nas operações de produção de biogás e conversão em gás natural é produzida na própria indústria, tornando-a autossuficiente.
Fonte:
E você! Gostou desta viagem para conhecer os biodigestores ao redor do mundo? Deixe seus comentários.